Tuesday, January 15, 2008

HISTÓRIA DA CARICATURA EM PORTUGAL (parte 14)

De Nogueira da Silva a Raphael Bordallo Pinheiro
Por: Osvaldo Macedo de Sousa

Teixeira de Carvalho, no seu estudo sobre Raphael na revista “Arte e Vida (nº7 1905), faz a sua análise na evolução de Nogueira da Silva para Raphael Bordallo Pinheiro:
«“Começava também por esse tempo em Portugal, a illustração dos romances que por o seu lado havia de contribuir poderosamente para o apparecimento da caricatura.»
«De todo esse movimento é figura principal Nogueira da Silva, que pelo seu espirito emprehendedor, pela sua devoção á causa popular, e pela evolução do seu espírito de caricaturista é o antecessor de raphael Bordallo Pinheiro.»
«Os esforços que cada um fez para adeantar a gravura em Portugal são um traço commum que mais identifica a vida dos dois artistas.»
«É claro que não pretendemos identificar a verve exhuberante de Bordallo Pinheiro, o seu desenho quente e cheio de expontaneidade e de espirito e com o traço descorado de Nogueira da Silva, o seu desenho secco, sem graça e sem espirito.»
«Os defeitos e as qualidades de um e outro artista têem porêm a mesma origem, - o esforço por fazer adeantar a arte da gravura.»
«A gravura em madeira, no seu início em Portugal deu Nogueira da Silva e o seu desenho anguloso, aspero e irritante; o alvorecer dos processos de gravura chimica originou o desenho expontaneo, livre e audacioso de Bordallo Pinheiro.»
«A lytographia pouco deve ao talento dos dois caricaturistas.»
«Nogueira da Silva imitava nas lithographias o traço do buril, com a pretensão de as fazer passar por gravuras em madeira bem acabada.»
«Bordallo Pinheiro só no Brazil comprehendeu toda a vantagem que este excepcional processo de reproducção offerece a um verdadeiro artista; mas cahiu em erro análogo ao de Nogueira da Silva.»
«As lithographias de Raphael Bordallo Pinheiro traem, como as de Nogueira da Silva, a sua preocupacção constante e pretendem reproduzir o traço e o modo de desenhar a que a infância dos processos chimicos de reproducção em fac-simile levou os artistas.»
«Era a originalidade desse processo que encantava a sua alma sedenta de coisas novas, era esse traço que procurava realizar com a sua franqueza habitual, sem nada encobrir, num movimento expansivo de admiração.»
«A preocupação da gravura em madeira, bem clara nas lithographias de Nogueira da Silva é substituída nos trabalhos lithographicos de Raphael Bordallo Pinheiro pela preocupacção da gravura chimica.»
«Os recursos da lithographia, a doçura, o vigor que dá ao traço, o imprevisto dos effeitos do claro escuro a que se presta e que fazem o encanto da obra de Daumier, passaram para estes artistas completamente desconhecidos.»
«Esta observação, evidente na obra de Nogueira da Silva, é clara tambem nos trabalhos de Raphael Bordallo Pinheiro, quando passada a primeira surpreza e examinados minuciosa e friamente.»
«Nogueira da Silva começou na Semana e no Almanach da Revista Popular, acabou no Archivo Pittoresco, que teve, na sua obra de artista a mesma infuência que as Artes e Letras na obra de Raphael Bordallo Pinheiro.»
«E para em tudo ser real o parallelo entre estes dois artistas, no Jornal para Rir de Nogueira da silva, não é difficil encontrar o esboço do Zé-Povinhoa creação genial de raphael Bordallo Pinheiro.»
«Nogueira da Silva encontrou no comeco da sua vida de caricaturista toda a resistencia do publico que mais tarde havia de vencer Raphael Bordallo Pinheiro.»
«Em 1861, publicando o Archivo Pittoresco algumas caricaturas representando Admiradores das illumnações de Lisboa por occasião do casamento de el-rei D. Luiz, fazia-as acompanhar do commentario proprio a desfazer susccptibilidades /…/»
«/…/ Eram os mesmos embaraços que affirmam as cartas de O Calcanhar de Achilles de Raphael Bordallo Pinheiro.»
«Uma differença profunda há porém entre Nogueira da Silva e Raphael Bordallo Pinheiro e é a aptidão litteraria de cada um dos dois artistas.»
«Nogueira da Silva era um litterato da producção rápida, gostando de acompanhar de longos commentários as caricaturas que publicava nos jornaes.»
«Raphael Bordallo Pinheiro era pelo contrario de uma grande timidez litteraria.»
«Gostava que o seu desenho fosse interpretado, alegrava-se de o mostrar e de ouvir os commentarios que provocava, escolhendo sempre o mais pittoresco. A caricatura para elle era uma verdadeira obra de arte que se alegrava de ver analysada com o cuidado e a minucia d'um critico competente.»
«Escapava-lhe a acção moral da sua obra. Escrevia-a como um historiador minucioso, e gostava de se ver comparado aos Goncourts no valor que dava aos casos da vida diaria, quer elles archivassem um pormenor da nossa vida politica ou um detalhe da nossa história litteraria.»
«É por isso que na obra de Bordallo Pinheiro tudo se deve procurar na analyse dos seus desenhos, n'elles anda toda a grande alma d' esse genial artista.»
«O contrario se dá na obra de Nogueira da Silva em que por vezes o commentario litterario ‚ superior á qualidade artistica do seu desenho.»
«/…/ O meio era então abertamente hostil a esta orientacção na reacção ao movimento de desordenado insulto de vivera a caricatura durante todo o período de estabelecimento do constitucionalismo em Portugal.»
«As allusões mais simples vinham sempre acompanhados de toda a especie de satisfacções que lhes tirassem o que poderiam ter de offensivo para o melindre facilmente irritavel de qualquer personalidade.»
«As parodias innocentes aos versos de Rodrigues Cordeiro eram publicadas como homenagem ao talento do escriptor, e quando o Jornal Para Rir publicava com o titulo de - O chouto desesperado - a satyra do dr. Sanches da Gama a The forious ride do mesmo autor, a redacção do Jornal Para Rir, em documentada advertencia, 1embrava que apezar de haver uma dama nos versos do poeta, a sua formusura, os seus encantos, as suas virtudes e a sua virginalidade angelica a punham tam alto que censurar a satyra o mesmo seria que dizer alguem a um menino que não lançasse pedras ao ar, porque podia acertar n'uma estrella e magoal-a !.»
«O trabalho de estudo dos typos nacionaes devia levar naturalmente Nofueira da Silva a achar o typo do povo portuguêz que Bordallo Pinheiro cristalisou na sua creacção do Zé-Povinho.»
«Encontra-se na verdade no numero 24 (25 de Outubro de 1856), última da primeira série d’esta publicação.»
«Não é o Zé-povinho bonacheirão de Raphael Bordallo Pinheiro.»
«De olhar adormecido, cabello e barba intonsos, carapuça na cabeça, em mangas de camisa, calças rotas, os pés nús, o varapau preso na curva do braço, é francamente estúpido e feroz.»
«Esta caricatura porem é infelizmente cheia de reminiscencias dos desenhos francezes.»
«As Celebridades Contemporaneas, collecção de caricaturas acompanhadas de uma biographia humorística que publicou mais tarde, antecessoras do Album das Glórias, 1embram mais uma vez o parallelismo de desenvolvimento artístico de Raphael Bordallo Pinheiro e de Nogueira da Silva.»
«A caricatura politica, que fez a gloria de Bordallo Pinheiro teve também no obra. de Nogueira da Silva um momento de extraordinária celebridade.»
«“Em Outubro de 1858, recebia Portugal uma affronta da Franca que lhe exigiu a entrega da celebre barca franceza Charles e George, navio negreiro aprisionado pelos portuguezes.»
«Este facto excitou os animos e Nogueira da Silva saiu a publico com o D. Quichote do Século XIX.»
«Era uma caricatura vigorosa, de uma intençãoo clara e directa, que se não tinha o poder da força bruta a que Portugal cedera, tinha a força da rasão que a inspirava, era o desforço do espirito contra o poder da materia.»
«A caricatura teve um exito extraordinario. Estamparam-se cerca de 5:000 exemplares - naquelle tempo uma edição d' estas era fabulosa - vendiam-se a pataco e chegaram a vender-se a pinto, por se ter exgotado a edição em poucos dias na loja do Cabellos, uma lojinha de livreiro que havia ao principio da rua Augusta, esquina da rua dos Capellistas. Nogueira da Silva é que tinha sido o editor da sua obra, e todas as noites fazia contas com o Cabellos, trazendo para casa abadas de cobre, prata e até oiro.»
«A França levou a Charles e George, mas Nogueira da Silva é que recebeu a indemnisação. A Charles e George tinha acordado a fibra nacional, todo o patriotismo platonico de um povo. A caricatura satisfazia cabalmente a essa explosão patriotica. Muitos compravam-n'a ás duzias e só depois de terem rasgado, espesinhado, apostrophado um bom par d'ellas, é que guardavam uma para memoria.»
«A rasão d' este furor é porque na caricatura figurava como principal personagem Napoleão III.»
«Era elle o D. Quichote do seculo XIX. Estava de pé sobre uma, grande aguia que representava a França; o burlesco da figura advinhava o typo que mais tarde nos apparece na Gran-Duqueza, o general Boum, abria desmedidamente as pernas que apoiava sobre as azas abertas da aguia ; esta acocorada n'um enorme cesto, chocava dentro d' elle uma grande quantidade de pretos algemados ‚ a correntados; da base do cesto partia uma corda que vinha prender-se a uma barca, a Charles e George, que se via em baixo comboiada pela esquadra franceza. Napoleão rasgava com arrogancia comica os tratados, e nos lados superiores da estampa lia-se : «Queres paz, prepara-te para a guerra - Queres liberdade, prepara-te para a escravidão».»
«Nogueira da Silva popularisava-se, a sua reputação crescia.»
«Assim o conta Caetano Alberto, discipulo de Nogueira da Silva, que por os seu trabalhos de gravura tanto tem honrado a arte nacional, e por si só bastaria para fazer a gloria do mestre.»
«Nogueira da Silva apresentava em 1861 Caetano Alberto no Archivo Pittoresco que recebia a primeira gravura importante do gravador com palavras de carinhoso acolhimento e de justo louvor que annunciava todas as excellentes qualidades que mais tarde haviam de distinguir o gravador.»
«E, curiosa coincidencia, havia de ser Caetano Alberto o discipulo dilecto de Nogueira da Silva que havia de mais tarde iniciar na imprensa Raphael Bordallo Pinheiro.»
«Em tudo se encadeia e prende a vida dos dois artistas.»
«O mesmo descuido da vida os animava, senão a mesma verve doce e tão igual em Raphael Bordallo Pinheiro.»
Curioso este estudo com o paralelismo de trabalho entre os dois primeiros grandes mestres da caricatura nacional. Na minha opinião creio que Teixeira de Carvalho é por vezes injusto com N.S., não conseguindo esconder a sua grande admiração por Raphael, tornando-se demasiado subjectivo, e não se querendo lembrar que uma decada, a evolução da arte da gravura em portgual, e o desenvolvimento da sátira gráfica foi gigantesco. Sucedem-se no tempo, na evolução das técnicas e das estéticas, herdando Raphael um pequeno reino de humor e jornalismo, que transformará num império.
Como referi anteriormente, as condições de datar 1847 como o início da História foram os factos da regularidade de saida do jornal, da inclusão da gravura no caderno, e sua relção directa com os acontecimentos do quotidiano. Apesar de paralelamente haver gravura de critica social, desenho anodótico, foi a política que trouxe esses elementos descritos. Assim a História começou com a política, tendo sempre a seu lado o desenho pitoresco-humorístico, a sátira social, que se por vezes podia ser entendida como ofensiva para os individuos da provincia, os saloios… não sofria da mesma agressividade que existia na política.
Findo o periodo Cabralista, com a introdução da Regeneração, e com a força da censura (a revogação da Lei das Rolhas em Maio de 1851 não trouxe a total Liberdade de Imprensa, saindo em 63 e 66 novas regras de funcionamento jornalístico), a decada de cinquenta e sessenta vê o desaparecimento gradual da força da sátira política, para triunfo do humor social. De todas as formas, a primeira investida satírica deixou o estigma da ofensa, do insulto assuciado ao humor, e é esse pavor social que Raphael Bordalo Pinheiro encontra quando entra no mundo do jornalismo, e procura reconstruir a sátira política.
Logo á partida, Raphael trás uma inovação, ou seja a sátira transforma-se em ironia.

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