Saturday, December 13, 2008

LUIS D'OLIVEIRA GUIMARÃES - Exposição Bio-bibliográfica na Sociedade Portuguesa de Autores (Lisboa) até 16 de Janeiro


Decorridos 10 anos sobre o falecimento de Luís de Oliveira Guimarães, entendeu a Família, em estreita associação com a Câmara Municipal de Penela, a Junta de Freguesia do Espinhal e a Sociedade Portuguesa de Autores (já que foi um dos seus fundadores) que se justificava assinalar essa data.
Com esse objectivo promoveu-se, entre outras iniciativas, a organização de uma exposição sobre a sua vida e obra.
Esta merecida homenagem pretende sublinhar a diversidade e riqueza da sua personalidade e vida profissional, combatendo o esquecimento a que os homens e as suas acções são tantas vezes condenados.
Esta iniciativa dá a conhecer um percurso variado ao longo de quase um século sempre marcado pela crítica arguta, pela observação atenta e pela graça, por vezes virulenta mas sempre elegante. A sua capacidade para identificar o ridículo das situações e denunciar, de forma mordaz, o comportamento dos indivíduos e das instituições, dá-nos um fino retrato do espírito d’uma época, promovendo ao mesmo tempo o humor como estratégia de uma cidadania consciente.
Magistrado, escritor, dramaturgo, jornalista e, acima de tudo, humorista, Luís de Oliveira Guimarães, nascido em 1900 e falecido em 1998, acompanhou um século, particularmente conturbado, retratando-o com espírito cintilante.
Amante da ruralidade portuguesa e frequentador assíduo dos bastidores intelectuais dos centros urbanos, privou com os vultos mais marcantes dessa época e soube traduzir, nas suas inúmeras crónicas, conferências e livros, quer a singeleza da cultura tradicional portuguesa, quer o fino espírito dos intelectuais do seu tempo.
Lembrar a sua figura frágil e a sua palavra entusiasmante, a vivacidade da sua personalidade pública e o seu afectuoso trato no espaço familiar é, por isso, um dever que cumprimos com grande júbilo.
Para a Família é uma oportunidade extremamente gratificante de dar a conhecer a pessoa através do seu espólio, podendo, deste modo, reviver o privilégio que foi privar com uma individualidade ímpar e contribuir para a preservação da sua memória.

Paula Oliveira Guimarães



Luíz de Oliveira Guimarães
O Espírito de uma Época


Por: Osvaldo Macedo de Sousa
Cada época tem a sua cor, o seu cheiro, o seu ambiente, o seu espírito. Apesar da História ser uma espiral em que os acontecimentos, as modas, as situações sociais e políticas, travestidas com outros figurinos e cenografias, se repetem ciclicamente, há pelo menos algumas individualidades que não se repetem, são verdadeiramente genuínas e intrínsecas dum período.
Realmente a maioria dos seres não passam de clones dos seus antepassados, dos seus antepassados, dos seus antepassados, dos seus antepassados, dos seus antepassados… Se alguns evoluíram, outros mantiveram-se na raiz, mantiveram as mesmas características trogloditas, barbaras, medievo-inquisitoriais… Contudo, como em tudo, há as tais excepções, uns como génios de irreverência criativa, de investigação, de pensamento, outros como seres especiais da evolução humana, outros como espelhos reflectores, como pintores, gravadores da paleta das cores, sons e sentires de cada época. São os cronistas do espírito, da alma social.
Luiz de Oliveira Guimarães é uma dessas figuras que não só marcou a sua época, como é o reflexo do seu espírito. Jornalista, Conferencista, Dramaturgo, Escritor L.O.G. foi não só um pensador, como um advogado e cronista da sociedade em que viveu. Recordar ("Recordar não é mais do que acordar o esquecimento" in As Blagues do Dr. Bonifrates pág. 87) a sua vida, a sua figura, as suas obras é viajar pelo espírito de uma época, de uma sociedade, é atravessar o tempo histórico. Através dele podemos sentir os odores, as cores, as formas de estar e viver das suas vivências, e dos outros que com ele compartiram os tempos e espaços.
Recordamos pela sua pena as figuras que, com ele marcaram a sociedade, que com ele respiraram e transpiraram no nascimento da República, na implantação e decadência do Estado dito Novo… Flecha que trespassou todo o séc. XX, temos inclusive ainda o seu testemunho da revolução-evolução da sociedade portuguesa para a democracia.
Luíz de Oliveira Guimarães é sem qualquer dúvida um dos melhores testemunhos, uma das melhores crónicas do nosso séc. XX, é a encarnação do espírito da sua época.

CRONOLOGIA BIOGRÁFICA 1900- 1987

19 de Abril de 1900 - Nasce na Quinta do Castelo em Espinhal (Penela) Luíz de Abreu Alarcão de Oliveira Guimarães, filho de António Alves de Oliveira Guimarães e Maria da Glória Alarcão Vellasques Sarmento A 16 de Julho de 1900 - Baptizado na Igreja Matriz do Espinhal pelo vigário Manuel Parada d'Eça.
Os primeiros passos e as primeiras letras aprendeu-as no Espinhal, onde o seu primeiro mestre escola lhe ensinou que "a instrução serve, principalmente, para avaliar, não o que sabemos, mas o que ignoramos!". E toda a sua vida será uma eterna pesquisa sobre o que ele ignora, e mais ainda o que todos nós ignoramos. Ainda criança foi viver para Lisboa, onde acabou seus estudos primários.
1910 / 1917 - Estudos Liceais em Lisboa: Liceu da Lapa (1910-11), Liceu Pedro Nunes (1911-1915) Liceu Camões (1915-1917).
1917 / 1922- Estudo Universitários, no Curso de Direito. Ano de 1917/18 na Universidade de Coimbra, acabando o curso na Universidade de Lisboa (1918/1922). Em 1917 - Está na Universidade de em Coimbra a cursar Direito, transferindo-se em 1918 para Lisboa onde terminaria o curso a 4 de Dezembro de 1922. A tradição familiar, ligada à Jurisprudência levou-o ao curso de direito, mais não seja por uma questão civilizacional: "/…/ uma civilização só merecerá o nome de civilização quando a luta pela vida se travar no campo do direito. O ideal seria que todas as manifestações da actividade humana coubessem dentro duma fórmula jurídica. Mas se ainda não foi possível atingir esse ideal, se essa possibilidade pode muito bem-estar até, cada vez menos, ao alcance da nossa mão, nada nos aconselha a renunciar á glória suprema de procurar atingi-lo: pelo contrário o nosso esforço deverá redobrar dia a dia, no convívio desse misterioso capricho humano que nos faz desejar mais ardentemente os frutos que não podemos colher. A mais nobre missão do homem e, sobretudo, do homem de leis é a de concorrer, de algum modo, para efectivação desse ideal." (O Direito ao Riso pág. 11).
1918 / 1984 - O Jornalista - Em 1918 inicia a sua colaboração com a imprensa no semanário portuense "Vida-Moça", um periódico cultural que como ele próprio se definia semanário de teatros, arte, literatura, sport e nas páginas de "A Capital". Depois nos inícios da década de vinte colaborará com "A Manhã", "O Mundo"… abrindo assim um caminho de experiências e contactos. Actividade que se prolongará por mais sessenta e seis anos
"Ninguém ignora que o verdadeiro escritor, como o verdadeiro artista, não se faz: nasce. O estudo e a prática podem dar, e dão sem dúvida, a cultura e a experiência, - mas não dão a vocação, que constitui uma bênção dos Deuses. O que sucede, frequentemente, é a vocação do escritor e do artista conservar-se adormecida até que uma causa a desperte, em regra uma causa literária ou artística" (O Espírito e a Graça de Fialho pág. 21)
"Há quem se queixe da impertinente curiosidade dos jornalistas. Não é justo. O dever do jornalista é informar. Para informar necessita, previamente, de se informar. A curiosidade constitui parte do seu ofício.
- O que fazia Deus Nosso Senhor antes de criar o Mundo? - Perguntava, uma vez, na catequese, um garoto de dez anos ao padre-mestre.
O padre ficou uns momentos, perplexo e, depois, explicou:
- Preparava o Inferno para os curiosos.
Se assim foi, enganou-se, salvo o devido respeito. Os curiosos não estão no Inferno: estão no jornalismo ou, como agora se diz, na Comunicação Social. A menos que a Comunicação Social não seja o tal Inferno preparado por Deus Nosso Senhor para os curiosos." (Segredos a Toda a Gente - 7/3/1982).
1923/1979 - O Escritor - A sua veia literária conhecerá a cor do prelo pela primeira vez em 1923 com "Bonecas que amam" (Poesia), seguindo-se ainda nesse ano "Arte de conhecer mulheres" (crónicas), "O Direito ao Riso" (Monografia) e "As Blagues do Dr. Bonifrates" (blagues). Actividade que atingirá o numero significativo de 51 títulos
1923 / 1939 - O Jurista - Inicia-se a sua carreira profissional no universo do Direito a 8 de Agosto, primeiro como Ajudante da 2ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa e a partir 8 de Dezembro como Subdelegado do 3º Juízo das Transgressões de Lisboa. Terminará em 1939 como Delegado do Procurador da República de 1ª Classe por opção sua, dedicando-se então completamente à escrita.
1924 - O Conferencista - A 26/1/1924 com a conferencia "A Vida nos Castelos" na Associação dos Arqueólogos em Lisboa inicia uma das actividades que mais o celebrará, a de orador, de conferencista. É difícil fazer o levantamento de todas as conferencias que realizou, porque era constantemente convidado a botar discurso, improvisando no momento. Textos escritos de conferencias preparadas são pelo menos 40
1927 / 1961 - O Dramaturgo - A sua ligação ao teatro é fruto da sua participação em tertúlias literárias e "dramáticas", com um cheirinho de boémia e jornalismo. Assim surge o crítico, e só depois o dramaturgo. Convidado para escrever em parceria múltiplas Revistas à Portuguesa, Comédias, Farsas, acabou também por escrever sozinho outras peças que foram sempre um sucesso nos palcos alfacinhas. Escreveu pelo menos 27 peças de Teatro.
1932/8/17 - Casa-se com Maria Adelaide Matos Sequeira na 7ª Conservatória do Registo Civil de Lisboa e a 21 do mesmo mês na capela da família Matos Sequeira
1935/12/21 - Nasce o seu filho único, António Luís de Sequeira Oliveira Guimarães. Este também seguirá a tradição familiar ao cursar Direito, seguindo a Magistratura até ao posto mais alto da hierarquia, ou seja Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça. António Luís desposará a também jurista Maria Leonor Loureiro Gonçalves, de cujo matrimónio nascerá uma filha que será registada como Paula. A mesma cursará Direito e desposará Renato Amorim Damas Barroso, hoje Juiz na Boa Hora.
1945 - Já conhecido na sociedade Portuguesa pela sai ironia, e pelo seu apoio ao Humorismo, neste ano organiza a mais irreverente das homenagens culturais realizadas nesses anos de Estado Novo - A homenagem ao Conselheiro Acácio, na Sociedade Nacional de Belas Artes.
1998/6/5 - Luís de Oliveira Guimarães viria a falecer na sua casa em Lisboa.

Boémia - Tertúlia

L.O.G. pode ser considerado como um boémio, um romantico boémio por onde deambulou, por onde conviveu, que apreciou, mas que sempre controlou com uma certa objectividade crítica. Não será o espaço da depravação, da boémia alcoólica e bacanais. Era e boémia intelectual das tertúlias literárias e artísticas da Lisboa cosmopolita, era a boémia teatral de quem gostava de conviver com a criatividade da expressão do pensamento.
Nessa época essas tertúlias dividiam-se essencialmente pelo Parque Mayer (a tertúlia teatral); o Rossio, essencialmente com o café Martinho, o Nicola…; o Terreiro do Paço com o seu Martinho da Arcada; e fundamentalmente o Chiado, o "coração do mundo".
O Chiado era o centro de Lisboa, era o centro do País, o centro do universo da vida cosmopolita alfacinha. O epicentro era a Brasileira, tendo como satélites a Havaneza, a Marques, a Garrett, a Bertrand, a Sá da Costa… ou seja essencialmente cafés e algumas livrarias, já que a nossa cultura sempre foi recheada por filosofia de café.
"Há vários chiados no Chiado. Há, primeiro, o chiado da manhã. - esperto, cinematográfico, anónimo, bulício de corpos, farandola de destinos - com uma grave e emotiva sugestão de actividade: humilde. Ha, depois, o chiado quase deserto do meio dia ás duas - o chiado-intervalo, esperando que Lisboa almoce para que: Lisboa passeie. A seguir, o chiado instável, indeciso das três e das quatro - mulheres que desfilam, no drama de fazerem as suas compras nas lojas do centro; homens que o interesse agita, ou que o dever orienta; gente que passa, que passa, que passa continuamente, sem parar em parte nenhuma. Por fim, o chiado máximo, o chiado das cinco horas e dos cinco sentidos, match de luxos, arena de flírts, esplendor de pastelarias vibrantes. Depois, outro intervalo - o jantar. E, no epilogo, já sob os arcos voltaicos acesos, o chiado da conversa, da má-língua, dos grupos irónicos, dos noctâmbulos." (Editorial da revista "O Chiado")
Se a política é a paixão e a arte a irreverência deste mundo, a Mulher é a rainha deste universo de olhares, de sinais, de ironias, de ditos de espírito, de boatos e anedotas. Aqui tudo é fantasia e realidade ao mesmo tempo.
Pelos testemunhos escritos que L.O.G. nos deixou, sabemos que também para ele a mulher era o epicentro da sua boémia estudantil, e inspiradora da sua criatividade.
Inconformista pela idade, irreverente como "revolta" normal contra o poder paterno (Juiz de família tradicional e conservadora), ele acaba por ser também um revoltado conservador, por educação. A imagem que ele nos deixa da mulher, esse novo ser feminino que desponta no cosmopolitismo da primeira república, no modernismo e futurismo… é de todas as formas retrógrada. Logo aqui ele é a imagem perturbada da sua época, dividida pelo puritanismo luso de tradição católico-medieval, e pelo cocotismo dos novos ventos europeus.
L.O.G. parece um grande amante, flirtando por aqui e por ali para não sofrer com os males de amor: "O flirt é um sorriso; o amor é uma lágrima; a paixão - é um soluço." (In As Blagues do Dr. Bonifrates pág. 39). Tudo é ilusão na vã fantasia da realidade…O melhor local de Lisboa para flirtar? O Chiado naturalmente: "O Chiado é uma vitrina de chapéus e de vestidos. As mulheres são apenas os manequins que nos perguntam, com um olhar, se são bonitos os chapéus ou se são feios os vestidos." (As Blagues do Dr. Bonifrates pág. 116)
Em relação aos seus amores de juventude nada sabemos, ou seja não interessa saber por ai alem, mas certeza temos é que "nunca se deve comprar o amor: mas trocar por outra coisa" (As Blagues do Dr. Bonifrates pág. 40)

“Diante do retrato de uma mulher bonita os homens só lhes vêem as qualidades; as mulheres só lhe notam os defeitos.” (As Blagues do Dr. Bonifrates pág. 16)

“As mulheres são afinal as pernas dos homens: levam-nos para onde querem.” (As Blagues do Dr. Bonifrates pág. 18)

“A toilette é uma das formas elegantes da mentira. Quanto mais uma mulher se despe mais se aproxima da verdade. A maior mentira da Eva primitiva é do tamanho de uma folha de parra.” (As Blagues do Dr. Bonifrates pág. 19)

Carreira Jurídica

A licenciatura em Direito acabou por ser terminada, não em Coimbra, mas em Lisboa a 4 de Dezembro de 1922.
8/8/1923 entrou na carreira juridica como Ajudante da 2ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa.
8/12/1923 ingressa no corpo do Ministério Público com a categoria de Subdelegado do 3º Juízo das Transgressões de Lisboa.
27/4/1925 - Nomeado Delegado do Procurador da República na Comarca de Resende
30/6/1925 - Nomeado Delegado Auxiliar do Procurador da República na Comarca de Lisboa (Boa-Hora)
10/12/1925 - Nomeado Delegado do Procurador da República na Comarca de Lisboa 4ª Vara Cível
17/12/1925 - Nomeado Secretário do Ministro da Justiça
23/12/1925 - Nomeado Delegado em Comissão da 5ª Vara de Lisboa
26/3/1926 - Nomeado Delegado do Procurador da República na Comarca de Grândola
31/5/1929 - Nomeado Delegado do Procurador da República de 3º Classe na Comarca de Alcácer do Sal
9/8/1930 - Promovido a Delegado do Procurador da República de 2ª Classe e Nomeado para a Comarca da Sertã
13/10/1930 - Nomeado Delegado do Procurador da República na Comarca de Sintra
29/10/ 1933 - Nomeado Delegado do Procurador da República na Comarca de Vila Verde
5/5/1934 - Nomeado Delegado do Procurador da República na Comarca de Beja
14/12/1934 - Nomeado Delegado do Procurador da República na Comarca de Tomar
9/12/1936 - Promovido a Delegado do Procurador da República de 1ª Classe e colocado na 6ª Vara da Comarca de Lisboa.
"A carreira do Ministério Público exige requisitos especiais: iniciativa, desassombro e golpe de vista. Sem estes três requisitos, além dos outros necessários a todos os magistrados, o representante do Ministério Público não passará de uma sombra que, escondendo-o a ele próprio, poderá esconder ainda quem afinal devia ser descoberto". (Arte de Julgar pág. 55)
Pode-se dizer que a carreira de Luís d'Oliveira Guimarães no Ministério Público foi de sucesso, e com calma chegou ao ponto em que poderia ascenderão cargo de Juiz. O dever com os desejos paternos estava em parte cumprido, apesar do sonho do Conselheiro era ver o seu filho também como Juiz. Na tradição familiar tinha seguido as Leis, mas outras paixões, outros desejos de criatividade, de irreverência eram mais fortes, clamando cada vez mais alto a necessidade de se entregar às letras, se entregar ás musas sedutoras.
Não se conhecem irreverências nos seus actos como Procurador da República. Foi um sério, mas sempre com um sorriso nos lábios, defensor do seu cargo, das suas funções. "Há quem reduza a função do Ministério Público afirmando que, enquanto o juiz pode fazer justiça, o papel do Ministério Público consiste apenas em esperar que ela se faça. Engano. O Ministério Público é o fiscal da maneira por que essa justiça for feita, animando assim o bom juiz a fazer boa justiça e intimidando o mau a não fazer justiça má." (Arte de Julgar pág. 61). Contudo, o seu último acto na Magistratura foi um gesto quixotesco contra o sistema. Pode-se ver pelos seus textos que ele era um sério crítico de diversos elementos do sistema judicial, apontando múltiplos elementos corrigíveis, pequenos nadas que são importantes, não apenas na imagem da magistratura, como no seu funcionamento. Ora, o concurso para ascender ao cargo de Juiz era realizado por dois magistrados e um Académico de Direito, composição que Luís d’ Oliveira Guimarães criticava, visto que se ele tinha uma carreira de experiência como representante do Ministério Público, se ele queria prosseguir essa carreira como um novo passo na Magistratura, por que é que vinha uma personalidade estranha à magistratura fazer-lhe um exame? Assim, ele respondeu com garbo e sapiência às perguntas dos dois magistrados, com grande satisfação destes; mas quando chegou a vez do académico, afirmou que se recusava a responder, porque não reconhecia nessa figura de examinador, competência para o avaliar. Foi o espanto na sala, com o Académico a questionar de imediato por que razão se apresentou Guimarães a exame, sabendo de antemão que um dos examinadores não era magistrado. Ao que o examinado respondeu:
"- Para ter a oportunidade de lhe dizer isto!"
Isto aconteceu por voltas de 1938, 39...

O Dramaturgo

Toda a vida pode ser um drama, mas na visão de Luís d' Oliveira Guimarães a vida deveria ser sempre encarada como uma comédia, que por vezes tem índoles de tragicomédia, porém o optimismo deve prevalecer sempre. A sua ligação ao teatro é fruto da sua participação em tertúlias literárias e "dramáticas", com um cheirinho de boémia e jornalismo. Assim surge o crítico, o "advogado" que desconstroi a escrita, a representação, a encenação… para depois dar ao público a sua argumentação de defesa ou acusação, já que o grande juiz é sempre o público.
Se começa como crítico de Teatro, em breve prefere passar para além do proscénio, e invadir a privacidade dos bastidores, porque ai, onde a fantasia e a realidade se confundem num misticismo trágico o mundo parece ter outra dimensão, outro fascínio. É o mundo mágico que atrai todo o mundo, ignorando que por vezes em vez do paraíso se encontram muitos infernos, muita frustração…
"Existem no Teatro os bastidores - e os bastidores dos bastidores. Há, por consequência, no Teatro, dois teatros: um em que os actores representam para o publico; o outro, em que os actores representam para eles próprios. No primeiro desenrolam-se tragédias, dramas, farsas, operetas, revistas; no segundo faz-se a comédia frívola das pequenas aventuras, das pequenas intrigas e dos pequenos despeitos. E; encontram-se excelentes intérpretes de um e de outro género. Ao lado dos verdadeiros artistas de cena, existem também os artistas que só representam, afinal - quando não estão em cena." (Enquanto o pano não sobe… )
Assim começou uma outra carreira, uma outra faceta deste criador multifacetado, num lavor que se desenvolveu por quase 3 dezenas de peças ao longo de 3 décadas. A maioria das peças estas datadas e registadas a suas estreias. Outras apenas conhecemos o manuscrito. Em relação aos géneros ele passeou-se por todos, desde o drama à comédia, da revista è opereta, da Farsa ao teatro infantil.
Esta a lista de Peças que conseguimos referenciar através dos manuscritos, ou através de registos de peças representadas:
"Sete e Meio" (Revista em 2 Actos e 13 Quadros) (Assinado por dois Velhos e dois Novos que eram para além de Luíz d'Oliveira Guimarães, eram Pereira Coelho, Gustavo e Vasco de Matos Sequeira ) (música de Calderon Dinis Raul Ferrão e Isidro Aranha) (1927)
"Charleston" (Sátira em 3 Actos) (c/ parceria de João Correia d'Oliveira e Carlos Selvagem) (Foi representada no teatro Politeama de Lisboa) (1929)
"Balancé" (Revista-Fantasia) (c/ parceria de Anibal Nazaré) (manuscrito) (apresentado no Teatro do Ginásio) (música de Correia Leite, Armando Rodrigues, e João Nobre) (1937)
"Salão Cor-de-Rosa" (Fantasia em 1 Acto) (c/ parceria de Ramada Curto) (Manuscrito) (1939)
"Dá Cá o Pé" (c/ parceria de Mário Marques e Santos Braga" (1938) (Revista) (manuscrito) (apresentada a público no Teatro Avenida em Fevereiro de 1940)
"Auto da Tentação" (c/ parceria de Augusto Santa Rita) (1940) (teatro Infantil) (manuscrito)
"Arte de Reconquistar Maridos" (1941) (manuscrito)
"O Retiro dos Pacatos" (Revista) (c/ parceria de Aníbal Nazaré e Amadeu do Vale, música de M.de R. Portela, J. Mendes, e F. De Carvalho) (apresentada no Teatro Maria Vitória 1941)
"Minha Mulher é Um Homem" (adaptação do romance de Mary Love de colaboração com José Ribeiro dos Santos no Teatro Politeama) (1942) (manuscrito)
"Campo de Flores" (Evocação em 1 Acto) (c/ parceria de Silva Bastos) (manuscrito) (1942)
"Romaria" (Episódio Musical) (c/ parceria de Silva Bastos, Música de Manuela Bonito) (manuscrito) (1943)
"Auto do Boticário" (c/ Silva Bastos) (1943)
"O Jogo do Diabo" (c/ parceria de Ramada Curto, Amadeu do Vale e Lourenço Rodrigues, música de Raul Ferrão, F. Valério e J. Mendes ) (estreou no Teatro Avenida) (1944)
"Farsa da Velha Ferrunfunfelha" (assinada com o Pseudónimo Uma mais um - dois) (1945)
"O Enganador Enganado" (c/ parceria de José da Silva Bastos) (1947) (apresentada pelo Teatro do Povo, encenação de Paiva Raposo e Cenários e figurinos de Eduardo Anahory)
"Princesa Lisboa" (Peça Infantil) (teve encenação de Carlos Sousa)(1947) "Arcanjo Negro", adaptação do romance de Aquilino Ribeiro que se representou no Trindade (1948) (tem manuscrito)
"A Feira Nova" (c/ parceria de Rui Correia Leite) (1948) (apresentada pelo Teatro do Povo, encenação de Paiva Raposo e Cenários e figurinos de Eduardo Anahory)
"Três num Automóvel" (Um Prólogo) (manuscrito) (1952)
"Sangue na Guelra" (Revista-Fantasia) (c/ parceria de Rodrigues Melo) (manuscrito) (s/d)
"Corridinho" (revista)(c/ parceria de Aníbal Nazaré, música de D. Georgina Ribas, D. Maria Irene Pereira, Camilo Rebocho e Reis Saraiva Filho) (Manuscrito s/d)
"Cartas na Mesa" (Revista em 1 Prologo e 4 Actos) (c/ parceria de Schiappa Roby, Música de Camilo Rebôcho) (manuscrito s/d)
"O Enganador Enganado" (Farsa em 1 Acto) (c/ parceria de Silva Bastos) (manuscrito s/d)
"Siga a Roda" (Revista) (manuscrito) (com música de Aquiles Lima)(s/d)
"Mulheres Novas, Maridos Velhos" de Vicente Gil (Pseudónimo?) (Manuscrito)
"Letras e Tretas" (manuscrito) (s/d)
"Farsa do Juiz Direito" (manuscrito) (s/d)

Conferências Referenciadas:

26/1/1924 - "A Vida nos Castelos" na Associação dos Arqueólogos em Lisboa
26/6/1926 - "Os Leques" na Associação dos Arqueólogos em Lisboa
13/6/1931 - "Santo António e o Povo" na Associação dos Arqueólogos em Lisboa
Julho 1933 - "As Mulheres na Política" na Assembleia de Sintra.
24/11/1935 - “Espinhal” na Assembleia do Espinhal (há manuscrito)
15/1/1938 - "O Humorismo e o Direito" na Associação Comercial dos Lojistas de Lisboa (há texto)
5/2/1938 - "Serão Humorístico" no Grémio Alentejano - Lisboa
24/2/1938 - "Gil Vicente Revisteiro" na Associação dos Arqueólogos em Lisboa
25/11/1939 - "A Feira das Mercês e o Muro do Derrete" in Casa Entre Douro e Minho (editado em livro)
10/5/1940 - "O Teatro de Revista" in Sociedade Propaganda de Portugal - Lisboa (editado em livro)
25/8/1945 - "Eça de Queiroz na Intimidade" na Emissora "Voz de Lisboa" (publicado in A Republica a 17/9/1940)
21/3/1945 - “Centenário de Rafael Bordalo Pinheiro - Dez anedotas de RBP” na Voz do Operário
2/5/1941 - "André Brun - Perfil dum Humorista" in Casa de Alentejo e Ateneu Com. de Lisboa (publicado na revista "Ver e Crer")
28/1/1943 - "Rosa Araújo e a Vida Lisboeta" na Associação dos Arqueólogos em Lisboa (Editado em livro)
25/11/1944 - "Eça de Queiroz e o Conselheiro Acácio" in Casa de Entre-Douro e Minho (publicada em livro)
1/1945 - "O Humorismo de Eça de Queiroz" in Casa de Entre-Douro e Minho (editado em Livro)
12/5/1945 - "O Monóculo de Eça de Queiroz" na Casa de Entre-Douro e Minho (há manuscrito)
10/6/1945 - "Camões Humorista" na SNBA (Sessão inaugural do Grupo Rafael Bordalo Pinheiro)
30/5/1946 - "Palavras de Apresentação de Dulce de Oliveira" na Soc. Nacional de Belas Artes (há manuscrito)
28/6/1947 - "4 Originais Portugueses" no Teatro-Estúdio do Salitre - Lisboa
7/11/1947 - "Henrique Botelho de Andrade" in Casa do Alentejo (há manuscrito)
3/12/1947 - "Zéco e Domingos Saraiva" (na inauguração da exposição no Grupo de Amigos de Lisboa)
24/3/1948 - "Rafael Bordalo e o seu tempo" in Grupo dos Amigos de Lisboa (publicado em livro)
17/5/1949 - "O Filme "Quimera do Oiro" in Cinema Tivoli (há manuscrito)
27/6/1949 - "Alfredo Cândido" na Casa de Entre-Douro e Minho (há manuscrito)
Nov. 1951 - "A Marinha Mercante e os Livros" - I Congresso Nac. Marinha Mercante de Lisboa
23/1/1953 - "Homenagem a Rocha Martins" in Voz do Operário (há manuscrito)
6/4/1953 - "Aquilino Ribeiro - Escritor Beirão" na Casa das Beiras - Lisboa
30/11/1954 - "Homenagem a Garrett" in Sociedade de Escritores e Compositores Portugueses
30/3/1955 - "Homenagem a Matos Sequeira" in Casa da Imprensa (há manuscrito)
14/7/1956 - "O Conde de Arnoso" no Paço Ducal de Vila Viçosa (editado em livro)
1958 - "Cândido Guerreiro" in Casa do Algarve
10/7/1959 - "José Rodrigues Miguéis" in Casa da Imprensa (há manuscrito)
23/7/1959 - "António Pedro" na inauguração da estátua em Lisboa
18/5/1960 - "Schvalbach" na Casa onde viveu Schvalbach (há manuscrito)
12/6/1963 - "Junqueiro Diplomata" na Casa-Museu Guerra Junqueiro - Porto
30/7/1964 - "Joracy Camargo" in Sociedade de Escritores e Compositores
10/11/1964 - "Homenagem a Brunilde Júdice" in Teatro da Trindade
9/12/1966 - "Augusto de Castro e o Teatro" in Soc. Escritores e Compositores em Lisboa (há manuscrito)
18/11/1967 - "A Estreia de Amélia Rey-Colaço" na Homenagem à actriz no Teatro S. Luíz (há manuscrito)
11/1/1968 "Junqueiro e os Animais" in Vet.Clube - Hotel Florida
19/1/1968 - "Guerra Junqueiro e Lisboa" na inauguração da estátua em Lisboa (há manuscrito)
15/1/1969 - "Ivo Cruz" in Homenagem a Ivo Cruz pela Tábua Rasa (há manuscrito)
6/7/1973 - "Os Cem anos de Augusto Gil" no Ateneu Comercial do Porto
25/1/1975 - "Homenagem a Ferreira de Castro" in Casa Museu em Sintra
?/?/??? - "Um Perfil de João Bastos" inauguração da Rua João Bastos em Lisboa (há manuscrito)

O Escritor


«Quem procurar num dicionário a significação da palavra. "ensaio" concluirá, sem dificuldade, que se trata duma obra, de certo modo erudita, mas em que o seu autor não pretendeu tratar o assunto a fundo. O ensaio está, assim, para a erudição como a crónica para a literatura. É a esta circunstância que o ensaio deve, na hora actual, as razões da sua preferência não só por parte de quem escreve - mas também por parte de quem lê. De facto, hoje, as condições da nossa existência feita de ansiedade, de velocidade, de inquietação, de permanente excitação de nervos e de sentidos, não se harmonizam com a leitura de longas e profundas obras literárias ou científicas.» (Entre Nós que ninguém nos ouve pág. 1 )

Livros publicados:1923 - "Bonecas que amam" (Poesia)
"Arte de conhecer mulheres" (crónicas)
"O Direito ao Riso" (Monografia)
"As Blagues do Dr. Bonifrates" (blagues)
1924 - "O Chiado" (c/ João Ameal) (fait-divers)
"Loló, Biri, Záza" (Novela) (Capa de Fernando Santos)
1925 - "As Criminosas do Chiado" (c/ João Ameal) (novela)
"Saias Curtas" (capa de Cunha Barros) (crónicas)
1926 - "Caixa de Amêndoas" (Poesia) (capa de Ramalho Pedro)
1927 - "Cabelos Cortados" Diálogos)
1928 - "O Diabo , mestre de Dança" (crónicas)
1929 - "O Rei Maganão" (Subsídios para a História)
1931 - "Os Santos Populares" (Monografia)
"O Direito no Teatro de Gil Vicente" (Estudo)
1932 - "O Problema Jurídico do Transito" (comentários jurídicos)
1937 - "A Arte de Julgar" (Comentários judiciais)
1938 - "Entre nós que ninguém nos ouve" (Ensaios - Conferências)
"Gil Vicente, Revisteiro" (Separata do vol. III dos "Trabalhos da Assoc. dos Arqueólogos
Portugueses")
1939 - "A Feira das Mercês e o Muro do Derrête" (Ilustrações de Leal da Câmara)
1940 - "Teatro de Revista" (conferência)
1941 - "O Sofá côr de rosa" (contos) (capa de Júlio de Sousa)
1942 - "Junqueiro e o Bric-à-Brac" (ensaio) (Capa de Leal da Câmara)
"Dize Tu Direi Eu" (Crónicas) (ilustrações de vários caricaturistas)
1943 - "As Mulheres na Obra de Eça de Queiroz" (monografia)
"Rosa Araújo e a vida Lisboeta" (capa de Espinho) (conferência)
"Auto do Boticário" (c/ Silva Bastos) (Teatro) (capa de Zeco)
1944 - "Memórias dos Outros" (c/ José Ribeiro dos Santos) (fait-divers)
"Eça de Queiroz e os Políticos" (capa de Leal da Câmara) (ensaio)
1945 - "Senhoras Conhecidas" (c/ José Ribeiro dos Santos) (fait-divers)
"O Espírito e a Graça de Eça de Queiroz" (ensaio) (Capa de Manuel Santana)
"O Conselheiro Acácio" (capa de Manuel Santana) (conferências)
1946 - "Camões Humoristas" (conferência)
1948 - "Da Criação de um Teatro Municipal" (conferência)
1950 - "Junqueiro na Berlinda" (Ensaio) (Confidências e Inconfidências)
"Lisboa e Eça de Queiroz" (monografia)
1951 - "A Marinha Mercante e os Livros" (conferência)
1952 - "O Espírito e a Graça de Camilo" (Capa RBP) (ensaio)
"Espinhal Vila Beirã" (Memórias)
1953 - "Aquilino Ribeiro Através do seu ex-libris" (monografia)
1954 - "Homenagem a Garrett" (vários autores - conferências da Homenagem na SECTP)
1956 - "O Conde de Arnoso" (monografia) (conferência)
1957 - "O Espírito e a Graça de Fialho" (Ensaio) (Capa de Celso Hermínio)
1958 - "Cândido Guerreiro" (vários autores - texto das conferencias)
1960 - "Princesa Lisboa" (Teatro)
1963 - "Júlio Dantas" (Monografia)
"Junqueiro Diplomata" (conferência)
1966 - "Presidentes do Conselho Beirões" (ensaio)
1968 - "O Espírito e a Graça de Guerra Junqueiro" (ensaio)
"Monumento a Guerra Junqueiro em Lisboa" (de vários autores)
1973 - "Os Cem anos de Augusto Gil" (conferência)
1979 - "O Espírito e a Graça de Camões " (Capa de RBP)
No total 51 livros. Não tantos como L.O.G teria desejado publicar, porque muitos outros ficaram na intenção, ficaram como ideia falada em café, projecto projectado… como um trabalho sobre o Carnaval, As Pernas das Mulheres por Stuart Carvalhais, a "História Anedótica do Meu Tempo"…

1918 - 1984 O Jornalista

Jornais para onde L.O.G escreveu como jornalista: Vida-Moça, Capital, Manhã, Primeiro de Janeiro, Mundo, Diário da Tarde, Vida Mundial, Século Ilustrado, República, Sol, O Diabo, Notícia, Comércio do Porto, Diário de Notícias… Estes foram aqueles que beneficiaram da sua colaboração mais assídua e por períodos de tempo mais significativos. Outros houve, onde a sua colaboração foi esporádica, ou mínima.
Houve quatro em que foi director-fundador: A primeira aventura deu-se em parceria com João Ameal - "O Chiado"; "Babel" (selecção da artigos da imprensa internacional); "Dominó", um Semanário de Actualidades e Espectáculos; "Autores" foi um projecto da Sociedade Portuguesa de Autores, lançado em 1958, de cuja primeira série Luís d'Oliveira Guimarães foi director.
Títulos das suas rubricas: "Pó de Arroz", "Fumo no ar", "Bolas de Sabão", "Arco Iris", "Sorriso", "Sorriso da História", "Momentos de Espírito", "Chiado à 6-1/2", "O Diabo à Solta", "Momento", "Ao Domingo", "Fim de Semana", "O Caso da Semana", "Os Livros do mês", "Ribalta", "Enquanto o Pano não Sobe", "Cortina de Seda", "Teatro Português", "Da Nossa Cadeira", "Talvez te Escreva", "Tem a palavra V.Exª", "Figuras que se recordam", "Notas Trocadas", "Segredos a Toda a Gente"…

"Nunca tive na minha vida a pretensão de bater qualquer 'record'. Há, porém, um que, pelo menos entre nós, suponho ter batido: o de entrevistador. Creio que em Portugal nunca ninguém entrevistou mais gente. Se a entrevista pode considerar-se uma forma literária de tiro ao alvo, tenho sido um atirador obscuro, mas infatigável. Os alvejados contam-se por centenas; nunca a minha audácia tremeu ao persegui-los literariamente; e o certo é que um belo dia me encontrei senhor duma riqueza espiritual que as minhas vítimas gloriosas me entregaram - para eu as deixar em paz.
/…/ - Permita-me uma vaidade. Retratando uma série de figuras portuguesas do nosso tempo, julgo que estas páginas formarão um subsídio para o estudo e compreensão dessas figuras. Podendo constituir para muitos uma série de depoimentos históricos, não lhes falta mesmo, para os autenticar, a indispensável documentação gráfica. Na verdade, não nos limitamos, folheando este volume, a saber o que os entrevistados disseram: vemo-los, em carne e lápis, surpreendidos por alguns dos nossos melhores caricaturistas. A iconografia completa assim a história." (Dize tu Direi eu, pág. 307)

Para além das múltiplas entrevistas que ele foi realizando ao longo dos sessenta anos de actividade, material suficiente para darem o verdadeiro retrato ilustrado das figuras da sua época, das personalidades que nele viveram, há uma pequena série de artigos, pequenas anedotas que constroem o espírito da época, com sua picardia, sua ironia. Essas as verdadeiras crónicas da sociedade. Claro que há os comentários críticos, a livros, a peças de teatro, a fait-divers que ele apanhava aqui e ali, onde o barbeiro tem sempre um lugar importante na transmissão das notícias. Contudo, o café não é menos importante...
Sobre o que é que L.O.G. escreveu? Talvez seja melhor perguntar sobre o que é que ele não escreveu. Passou por tudo o que era importante para a sociedade de então, desde o bigode na mulher até aos problemas do novo Código da Estrada, dos Narizes ao Chiado.
E a censura? Éra apenas um dos muitos malabarismos que qualquer pensador tinha de saber tornear, porque como L.O.G. escreveu: «Há uma coisa mais grave do que pensar: é dizer o que se pensa.» (As Blagues do Dr. Bonifrates pág. 104)

Comments:
Sou jornalista (já sénior), trabalhei na Rádio Comercial, vários anos, tendo saído após a privatização. De entre as variadíssimas entrevistas que fiz a várias personalidades, entre as quais a Azeredo Perdigão, Fernando Namora, Vergílio Ferreira, Carlos Botelho, Monsenhor Moreira das Neves, Cupertino de Miranda, Jorge de Melo, Jorge Amado, Amália Rodrigues, e a tantas outras figuras, dos mais diversos quadrantes, tive o honra e o prazer de ser recebido em casa de Luís de Oliveira Guimarães, em Lisboa, na altura em que se comemorava o 4º centenário de Camões, ou seja, em 1980, justamente para uma entrevista sobre esta efeméride. Um diálogo interessantíssimo do principio ao fim, só que, por limitações de espaço, apenas foi transmitida uma pequena parte. Ainda conservo a cassete em áudio, em boas condições, tal como muitos outros registos . Hoje mesmo, entre as cerca de 300 cassetes do meu arquivo, descubro a entrevista a tão espantosa pessoa, com um sentido humor fantástico, intelectualmente, verdadeiramente fascinante, que, segundo me declarou, nas muitas conferência em que era convidado, não lia, falava, contrariamente ao que acontece à maioria dos oradores, tornando as suas intervenções numa estopada – Claro, num improviso que, em sua casa, previamente preparava. Mas, dentre o que me revelou da sua vida literária e profissional, como juiz, o aspeto que mais me surpreendeu foi a convivência que teve com Fernando Pessoa, que conheceu de perto, com os seus humores e as suas crises, tendo recuperado alguns dos seus versos que ele, depois de os escrever, deitava para o cesto dos papéis. Ao perguntar-lhe se tinha alguns em seu poder, respondeu-me que são justamente muitos desses poemas, que ele e outras pessoas, que acompanhavam, ou que se sentavam junto à sua mesa do café, que passaram a constituir uma boa parte da sua obra; o que quer dizer que houve o cuidado de lhos entregar . Num destes dias – espero que seja na data de nascimento de Fernando Pessoa – conto editar em vídeo e no meu site, uns breves excertos dessa passagem. Confesso, porém, que a entrevista que me concedeu (à volta de 40 minutos) se justificava ser editada em livro. Estou, pois, ao vosso dispor, caso assim o entendam – Entretanto, este texto vou também divulga-lo na página do facebook de Osvaldo Macedo de Sousa – Meu nome é Jorge Trabulo Marques – Tenho vários mas podem aceder através de um dos meus sites; ou Templos do Sol ou Odisseias nos mares.
 
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