Monday, March 23, 2009

Historia da Caricatura de Imprensa em Portugal - 1894 (Celso Hermínio...)

Por: Osvaldo Macedo de Sousa

No ano de 1894, para além da continuação do “António Maria" "Charivari" "Pontos e Virgulas" "O Pimpão" (onde finalmente a ilustração terá cada vez maior importância, apesar de a tendência temática se virar mais para o 'erotismo'), nascem "O Folião", "O Borga" (que é de Braga), assim como "O Micróbio" onde uma nova estrela do firmamento gráfico nasce. O artista de que falamos é Celso Hermínio.
«Que resta de Celso Hermínio, - escreve Armando Boaventura in "Comércio do Porto" de 3/6/1937 - o genial caricaturista que, na sua época, rivalizou, por vezes vantajosamente, com os mestres contemporâ­neos da caricatura francesa - como Rene Gill e ValIoton - ombreando, simultaneamente, com os mestres portugueses, entre os quais o grande Rafael Bordalo Pinheiro e seu filho Manuel Gustavo que o contavam entre os melhores colaboradores do "António Maria" e de "A Paródia" ? .. »
«Apenas, e para raros coleccionadores, reproduções dos seus "portraits-charges" e aqui além uma ou outra página de fulminante critica política, sobretudo as que publicou nos semanários "O Micróbio" e "O Berro" que, fundou e dirigiu, quando se instalou em Lisboa. E todavia o Porto nunca o esqueceu completamente - e, ainda hoje, há quem o lembre - evocando, simultaneamente, a sua época. É que Celso Hermínio surgiu para a vida artística do velho burgo, que é a capital do Norte e «Invicta Cidade» quando Inácio de Pinho pontificava entre «os rapazes que desfraldavam o lábaro revolucionário do «simbolismo». »
Celso Hermínio de Freitas Carneiro, filho do escritor e dramaturgo General Gaudêncio Eduardo Carneiro, herdaria de seu pai a sensibilidade artística, o espírito guerreiro, mas não o sentido da ordem e obediência hierárquica. Nascido em Lisboa em 1870 (2/3/71 - 8/3/1904), irreverente desde logo, encontram-se os seus primeiros esboços jornalísticos em S. Miguel (Açores), onde acompanhava o seu pai em serviço militar, num jornal satírico familiar ("A Mosca").
Como filho obediente, segue o percurso académico delineado pelo progenitor, até ser integrado na ordem militar, ao serviço de El-Rei. Só que nem a disciplina, nem o Rei, eram das suas simpatias, e perante o fracasso da revolta republicana do 31 de Janeiro de 1891 no Porto, e para salvaguardar a sua integridade física, prefere abandonar discretamente o exército, e procurar nova profissão.
Logo em 1892 vamos encontrar ilustrações suas no "Supl. Illustrado de O Universal", que como vimos, era um fascínio existente desde a sua infância - o humor gráfico. Se era inata a sua aptidão, como consegue a sua integração no meio jornalístico? Armando Boaventura diz que é no Porto, com "Os Simbolistas". Outros dizem que é em Lisboa, nas tertúlias do Manuel Gustavo, integrando os "Nefelibatos", "Os Novos" ...
«Celso Hermínio, quasi uma creança ainda, mercê d'um talento grande, desequilibrado, crivado de geniais lampejos, e de somnolencias estranhas, tem-se em poucos anos elevado bem acima do nível em que se rastejam os banaes, e os nulos.»
«/ ... / Custa a crer, ante a timidez delicada de maneiras, mal dissimulada por uns ares petulantes de bohémio, d' esse rapaz attencioso, dócil, quasi meigo, que ele seja o audacio revoltado do "Micróbio" e do "Berro" »
«Onde começou essa carreira que parece conduzi-lo a um brilhante futuro? Pela bohémia artística, nas mezas dos cafés, pelas redacções dos jornais, onde começou a dar sahida aos borbotões de ideias que lhe irrompiam da imaginação vivaz por meio da penna, antes de encontrar a vasante mais adequada às suas faculdades - o lápis » (Ribeiro Arthur in “Artistas Contemporâneos" Lisboa 1898).
Apreciado pela família Bordallo, é então convidado como colaborador do “António Maria", onde começa a trabalhar a 19 de Fevereiro de 1894, mas logo em Julho prefere lançar o seu próprio jornal "O Micróbio", em colaboração artística com Augustus (Augusto Pina), e colaboração literária de Tito Martins. Um jornal onde o traço de Celso se vai afirmando, e fundamentalmente se vai libertando da influência raphaelista.
Admirador de Raphael, creio que Celso tinha a consciência que essa não era a estética mais adequada para sua necessidade satírica, a sua agressividade e rudeza de expressão, e para a sua fervilhante criatividade. Dessa forma vamos descobrir as suas linhas emaranhadas num barroco decorativo, que poderemos dizer influenciado pelas 'arts and crafts', pela 'art nouveau', prosseguindo posteriormente para uma síntese caligráfica nervosa de um pré-expressionismo. Infelizmente a sua carreira foi curta, não tinha referências, ou ambiência, para se desenvolver numa linha de vanguarda internacional; de todas as formas, se a sua obra será desigual, balançando entre um academismo raphaelista, por vezes perdida nos barroquismos, encontramos obras geniais que finalmente dão um novo fôlego à arte em Portugal. A Caricatura retomará o seu papel de vanguarda, juntando-se a Celso outro jovem de nome Leal da Câmara. Pena foi que o resto das artes não tenham compreendido esta nova ruptura estética, e tivessem que esperar mais de uma década para romperem com o academismo naturalista.
Desta forma se inicia a primeira ruptura estética com o raphaelismo, apesar deste, pela sua força, e por ter adoptado características nacionais, se manter até aos dias de hoje. Esta ruptura foi estética, mas também satírica, já que se verifica uma radicalização estética, uma radicalização satírica, a qual se pode dizer panfletária. Não é o panfletarismo dos primórdios, onde "O Patriota" e demais jornais levavam a crítica ao insulto pessoal, mas um panfletarismo republicano radical, onde pela primeira vez as ofensas personalizadas não são os políti­cos, mas o Regime nas figuras do Rei e da sua Polícia opressora.
A radicalização pode-se encontrar como consequência do rotativismo, em que por muito que se critique um Governo, não há alternativa partidária. A promiscuidade entre os políticos é total, e o Zé conta sempre com o mesmo, seja qual for o partido monárquico que lá esteja: «Quando o povo diz aí, o Governo diz daí» ("Pontos nos ii" 11/9/80). Os Governos «são como aqueles ferreiros de capelistas; quando o Governo X está no Poder, o povo é sempre um arruaceiro que precisa de guarda municipal como de pão para a boca, ao passo que o Governo Y lhe chama povo livre que pretende zelar os seus interesses. Desce o Governo X e sobe o Governo Y; é logo este quem fornece guarda municipal aos arruaceiros e àqueles que aplaudem o procedimento do povo soberano. Por isso se vê que o Zé Povinho tem nos governos /.../ duas parcialidades que o aplaudem e o zurzem - alternadamente, para não cansar o braço. Em vendo alguém a dar-lhe palmas, já sabe que amanhã lhe dará pancada» (RBP in "Pontos nos ii", 7/4/85).
Almeida e Silva, por seu lado encontrou a definição correcta destes governos: «Um Governo de Cauchú - É muito maleável. Estende-se ou encolhe-se, conforme a situação.»
«É um perfeito governo de cauchú, porque apertado, espremido, entalado e achatado até à última pela oposição, comprime-se, geme, chia, barafusta e encolhe-se até ás menores dimensões. Largam-no, convictos de que ficou amassado de vez, estende-se, grita e salta por cima de todas as considerações, ficando novamente aprumado» (AS, in Charivari 22/6/89)
Os caricaturistas bem tentam mostrar isto ao povo, só que, segundo Sanhudo, «o povo português é exactamente da índole do boi. Uma criança qualquer o conduz aonde deseja sem que ele saia da sua mazorrice habitual. Não é como o couraçado Pimpão: que, se apertam muito com ele estoira. Nem como a nossa guarda municipal - que esmaga tudo quanto encontra diante de si... em certas ocasiões. O povo português é como o boi de trabalho, tem força mas não sabe que a têm. É preciso picarem-no tanto para ele andar mais um pouco...» (in Sorvete 16/7/82)
E o caricaturista não desiste, nem que se tenha de tornar mais agressivo.

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