Thursday, April 23, 2009

DESENHADOR QUINO SUSPENDE PUBLICAÇÃO DE CARTOONS por Carlos Pessoa in O Público de 2009-04-20

Argentino não quer que as suas histórias continuem a ser republicadas

Quino decidiu suspender temporariamente a sua presença nas páginas de Viva, o suplemento do diário argentino Clarín. São mais de 50 anos de carreira como cartoonista, desenhador de imprensa e autor de banda desenhada que agora sofrem uma interrupção “temporária”. O criador de Mafalda justifica esta decisão de não continuar a repetir os seus trabalhos por considerar que isso “seria uma falta de respeito não apenas aos leitores, mas também a uma longa carreira”.
"Como sabem, desde há alguns anos que esta querida revista está a republicar páginas minhas, algumas delas já desenhadas há muito tempo, outras nem por isso”, escreve Quino numa carta aos leitores que ocupa o espaço habitualmente preenchido pelos seus desenhos. O cartoonista lembra que a repetição dos seus desenhos surgiu no dia em que se apercebeu de que também é afectado “pelo mesmo mal” de se repetir “nos temas e no estilo de desenho”.
Apesar de tudo, sublinha Quino, a repetição de cartoons não é forçosamente uma coisa negativa: “Foi interessante voltar a vê-los pela assombrosa actualidade que apresentam muitos deles, o que prova que tantos problemas que hoje nos preocupam continuam a repetir-se graças ao talento que a sociedade tem em reciclar os seus erros”.
Fronteira do humor
Quino, nascido na cidade argentina de Mendoza há 76 anos, explica que decidiu deixar passar algum tempo até “encontrar algum modo de renovar o enfoque das minhas ideias ou, pelo menos, novas formas do meu estilo gráfico”. O desenhador pede depois aos leitores que não interpretem esta paragem como “uma despedida, mas como uma ausência temporária que espero que seja breve”. Conclui dizendo que não lhe “agrada nada a ideia de que os meus desenhos deixem de aparecer nestas páginas”.
No final de 2001, entrevistado pelo PÚBLICO, Quino confessara que havia limites para o seu próprio trabalho satírico e de humor:
“Há temas sobre os quais é impossível trabalhar. Eu, pelo menos, não consigo. Por exemplo, mantenho uma velha discussão com a Amnistia Internacional, que me convidou a participar em campanhas. Ora, eu acho que um desenhador de humor não pode dizer nada com o seu trabalho sobre os presos políticos, a tortura, a violação dos direitos humanos. E isso, porque as pessoas serão levadas a concluir que, afinal, essas coisas talvez não sejam assim tão terríveis como as pintam. Acontece que ficam surpreendidos quando me recuso a colaborar com o que consideram uma causa tão nobre. Não posso, há uma fronteira que não quero ultrapassar. Veja-se o caso da Argentina, o meu país: desapareceu muita gente e houve tortura sistemática de presos políticos. Não é possível fazer uma piada sobre a condição do presidiário...”
No rescaldo dos atentados de 11 de Setembro em Nova Iorque, Quino identificava explicitamente essa “fronteira”, sugerindo de algum modo aquilo que agora se tornou realidade:
Depois dos atentados, é como se vivêssemos todos em Israel ou no País Basco. Felizmente para mim, deixei o meu trabalho bastante adiantado antes de vir. Mas, mais tarde ou mais cedo, vou ter de continuar a fazer cartoons. E quando isso acontecer, estou certo de que alguma coisa mudará, embora não saiba quando e como é que isso vai acontecer.”

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